04 março, 2007

SABORES PASSEADOS, (1)
- ideias ralas no Congresso das Açordas

CONGRESSO DAS AÇORDAS - Portel, Março de 2007
De granito,
sobre o vale...


Ainda não entendi muito bem porque é que me convidaram para o Congresso das Açordas: se de artes culinárias nada sei, além do prazer de saborear... e se, em relação às ciências do turismo, do que eu gosto... é de passear! Nunca me passaria pela cabeça converter uma refeição em terreno de prova nem transformar as minhas deambulações em exercício de roteiro turístico. Gosto dos acasos, dos encontros de ocasião, das marés de conversa, do ir para aqui ou para ali conforme sopra o vento da vontade e do desejo. Por isso frequentemente dou comigo, nos regressos, em exercícios de leitura à posteriori, para melhor aperceber coisas que fui observando e registando.

Embora me não negue a Passear Sabores, sempre gostei mais dos Sabores Passeados. Que é como quem diz... fruídos e desfrutados nas paragens onde foram surgindo como resposta às necessidades de sustento de gentes que, em diálogo com os ecossistemas, encontraram/construíram formas originais de alimentação a partir dos produtos que tinham disponíveis ou a que podiam aceder. E sei perfeitamente que aquele gaspacho com água da fonte, que nos princípios de 80 comi em Torre de Coelheiros, é (como tudo o que aliás lá vivi e senti) irrepetível na Lisboa que habito... porque nunca terei aquela água que o caldeava, nem as circunstâncias que o marcaram.

Por isso gosto de resguardar na memória os sabores que vou provando por aí. E que acabam datados, localizados, associados a rostos e passagens por terras e paisagens.

Ainda miúdo, recordo a confusão entre uma açorda quase enxuta que podia ser de couve ou de marisco e aquela a que o me pai, que era de Sines, chamava de alho, e que mais me pareciam umas sopas de pão com alho e coentros. Já menino, em casa da tia-avó – um monte não muito longe da estrada que vai de Santiago do Cacém para o Cercal - fui desfazendo confusões com sopas de tomate (de fatia inteira de pão e chicharro afogado em caldo), habituei-me a reconhecer a hortelã, aprendi o porco de montado e a manteiga amarela.

Sabores bem distintos daquela outra casa, de granito, com janela aberta para o vale - ao fim de tarde invadido por cantos de mulher, separados na lonjura, mas conversados no desafinado que transportava os sons até aos montes à volta e lhes devolvia os ecos... Aí era o Minho e as terras da Nóbrega, e as sopas casavam o milho moído com as couves e o feijão que secara estendido no sobrado da casa. E eram outras raízes, as de minha mãe.

Eu era um criança de sorte... com férias grandes de ceifas, horizontes largos de Alentejo e mergulhos na praia de Sines ou em São Torpes, e leiras, moinhos de água, desfolhadas e vindimas em Sampriz, com feira (às quartas) em Ponte da Barca ou nos Arcos.

Continua

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