"Um homem tem de levar lastro" |
Tenho de vos contar outra, mas descansem que já volto às sopas de pão. Agora vou num instante à Ilha Graciosa. Eu tinha chegado no voo da manhã e escolhido criteriosamente - num relance para a fila de carros de praça - o motorista que iria ser meu condutor, guia e companhia, nos 3 dias seguintes. Fomos à procura de local para me aboletar, depois o périplo da ilha, o almoço, a descida à caldeira... e o dia esfumou-se. Anoitecera já quando cruzei as portadas do Santa Cruz – que sendo nome de terra é designação do café mais importante do sítio. E estou eu naquele esforço de alargar horizontes de conversas e estabelecer diálogo com os locais, já tinha mesmo ultrapassado a fase de pagar umas cervejas e beber outras por conta, quando um rosto me olha fixamente e oiço:
- Mas eu já o vi hoje!.
A mim, que chegara tão discreto naquele voo da Sata e desaparecera de imediato para o percurso de reconhecimento?
- Não era você que estava à bocado do outro lado da ilha, com um taxi, naquele restaurante ao pé do mar?
Pois... tinha-me esquecido que a ilha só tem cerca de quarenta quilómetros estrada à volta e que todos eles já tinham reparado num estranho que deambulava por ali. Só faltava que fosse um fiscal de qualquer coisa...
Então e as sopas? As sopas??? estavam magníficas, eram do Espírito Santo, com pão bem molhado, caldo saboroso e rico de carnes. Comido até ao fim - noutra ilha, a do Faial - por receita de homem de mar com memória de décadas de temporal.
“Da maneira como o mar está, coma bem para ter que deitar fora...“, conselho sábio, porque a lancha da capitania que fora encarregada de me levar ao Pico... parecia um barquinho de papel nas mãos das ondas. Coisas das marés de Agosto, que prendiam os aviões à pista e paralisavam o Terra Alta. O mestre só nos deixou vir cá acima e tirar os coletes de salvação quando, nas cercanias do Ilhéu Deitado e do Ilhéu em Pé, e com o Porto da Madalena quase ao alcance da mão, a borrasca se fez calmaria e a ilha se desnudou áspera, imponente, esplendorosa.
Não fora o pão e o caldo e teria sido bonito. Ainda tinha nos ouvidos a voz do marinheiro velho:
- Com um mar deste, um homem tem de levar lastro...
Sem comentários:
Enviar um comentário