Ao longe, um rosto inundado de rugas mergulha nas recordações de outros tempos. Sob o chapeuzinho de palha, um olhar de saudade. Cabelos brancos. Barba por fazer. Descansa de uma vida cansada, sentado tranquilamente a beira de uma cadeira. E junto ao caminho, bordeando uma casa de pedra, as hortênsias teimam em não dar flor. Na mesa, um copo de vinho e um pedaço de queijo. Duas vacas namoram com o verde da paisagem, do outro lado do muro. Ao longe, as cores misturam-se.
Azul atlântico. Como os seus olhos. O velho baleeiro fecha-os e sonha. Falta-me o seu nome. Recorda os tempos de mar quando o foguete disparava. Lembra-se da rapidez com que as suas pernas agora murchas o levavam até a embarcação. Sobravam os segundos. O dorso da baleia surgia entre as ondas. Os homens preparavam-se para a caça. Luta entre lutadores. Vencedores ou vencidos.
E o Pico, tão perene. Tão fiel à paisagem. Hoje está envergonhado e não quer aparecer por completo. Começa a ficar tarde. O sol esconde-se do outro lado da montanha. E o baleeiro, mãos trémulas, dedos grossos, levanta-se da cadeira. Regressa ao pequeno lar. Suspira e despede-se do seu mar.
Nesse momento, o nosso autocarro passa junto à sua casa de pedra. Durante esses instantes consigo apenas ver as duas vacas e a mesa, copo vazio e no prato já não há queijo. Mas ainda tenho tempo para contemplar o seu rosto cheio de rugas, sorrindo, um segundo antes de fechar a porta.
Eu, sem querer, também estou a sorrir. Então, levanto a vista e nesse preciso instante, entre as ondas, parece-me ver o dorso de uma baleia. Mas ela, tímida como o Pico hoje, esconde-se antes de eu poder avisar da sua presença...
Texto e Fotos: Virgínia Lopez e Vasco Simões
Roteiro de Viagem da Aventura Açores
1 comentário:
Que inveja... mas daquela inveja tão saudável que me apetecia abraçar... quem estes sentimentos desperta!
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