16 maio, 2008

Nas Lajes do Pico, defronte do mar, um velho baleeiro...

As duas torres da igreja sobressaem por cima das casas, sótãos pintados feitos em madeira. Do outro lado das rochas de lava, o oceano, bravo. Imenso. Não há rasto das baleias. Há tempos que a Cigana não sai a navegar.
Café Portugal - PASSEIO DE JORNALISTAS nos Açores - Pico
Ao longe, um rosto inundado de rugas mergulha nas recordações de outros tempos. Sob o chapeuzinho de palha, um olhar de saudade. Cabelos brancos. Barba por fazer. Descansa de uma vida cansada, sentado tranquilamente a beira de uma cadeira. E junto ao caminho, bordeando uma casa de pedra, as hortênsias teimam em não dar flor. Na mesa, um copo de vinho e um pedaço de queijo. Duas vacas namoram com o verde da paisagem, do outro lado do muro. Ao longe, as cores misturam-se.

Azul atlântico. Como os seus olhos. O velho baleeiro fecha-os e sonha. Falta-me o seu nome. Recorda os tempos de mar quando o foguete disparava. Lembra-se da rapidez com que as suas pernas agora murchas o levavam até a embarcação. Sobravam os segundos. O dorso da baleia surgia entre as ondas. Os homens preparavam-se para a caça. Luta entre lutadores. Vencedores ou vencidos.

Café Portugal - PASSEIO DE JORNALISTAS nos Açores - PicoE o Pico, tão perene. Tão fiel à paisagem. Hoje está envergonhado e não quer aparecer por completo. Começa a ficar tarde. O sol esconde-se do outro lado da montanha. E o baleeiro, mãos trémulas, dedos grossos, levanta-se da cadeira. Regressa ao pequeno lar. Suspira e despede-se do seu mar.

Nesse momento, o nosso autocarro passa junto à sua casa de pedra. Durante esses instantes consigo apenas ver as duas vacas e a mesa, copo vazio e no prato já não há queijo. Mas ainda tenho tempo para contemplar o seu rosto cheio de rugas, sorrindo, um segundo antes de fechar a porta.

Eu, sem querer, também estou a sorrir. Então, levanto a vista e nesse preciso instante, entre as ondas, parece-me ver o dorso de uma baleia. Mas ela, tímida como o Pico hoje, esconde-se antes de eu poder avisar da sua presença...

Texto e Fotos: Virgínia Lopez e Vasco Simões

Roteiro de Viagem da Aventura Açores

1 comentário:

Menina Marota disse...

Que inveja... mas daquela inveja tão saudável que me apetecia abraçar... quem estes sentimentos desperta!