15 maio, 2008

O Regresso aos Açores ou... de como um jornalista também tem direito a sentimentos, emoções e memória


Alguns jornalistas que comigo abalaram nesta Aventura Açores estranharam a largueza do cumprimento que me foi dispensado pelo porteiro da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo quando nos reencontrámos na visita àqueles Paços do Concelho. Somos conhecidos velhos... E ele já me ajudou a resolver muitos problemas logísticos em emissões de rádio diversas (para a Antena 1 do Continente e dos Açores).

Foi para mim estranho e aliciante a um tempo ver-me de novo naquela Salão Nobre que - a par da Praça Velha - já foi cenário de alguns dos meus labores profissionais. Mas, desta vez, estava ali para uma magnífica aula desse Grande Senhor que dá pelo nome de Pires Borges (um misto de cultura e humanidade com abertura de espírito para uma piada acerada ou uma brincadeira ingénua).

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Não me venham com essa de que, em nome de objectividades e distanciamentos, um jornalista tem de ser castrado de sentimentos e emoções. Isso, cidadão no pleno uso dos meus direitos pessoais e cívicos, não aceito. E já não tenho idade para emendas...

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Cada ida aos Açores é uma romagem por alguns rostos que me habituei a respeitar (outros... nem por isso). E que sorte eu tenho de ter conhecido alguns deles...


Gostava de me ter reencontrado, em São Jorge, com um continental que avistei ainda gerente bancário na ilha que tinha adoptado como sua. Foi ele que, nos idos de 80, me ensinou as fajãs e o polvo do Alberto (na do Ouvidor). Foi ele que me ensinou a gostar dos Açores e a lá voltar sempre que posso.

Fui recebido em casa de Orlando Bretão e ainda devo simpatias ao irmão, naquelas fugazes passagens pelo Aeroporto das Lajes. Não consigo esquecer que estava em Angra na noite do mais recente sismo do Faial - em trânsito para um Feira Franca nas Flores. Ou que me coube a mim, oito dias depois da tragédia, assegurar umas 3 horas de directo (num sábado) e mais umas duas no domingo, na Ribeira Quente. A meias com a Judite Jorge, naquele café em que as cores do vestuário negro do empregado me diziam que ele era o irmão e o tio da mulher e da criança que haviam morrido soterrados, com pai e marido nas lides na pesca e a só saber da notícia depois do regresso a terra.

Os meus Açores são sentimentos, memórias de deslumbramentos e conversas, conhecimentos travados à pressa - porque o tempo era escasso e a ânsia e os limites eram muitos.

Numa noite conhecia o professor José Bértolo, no balcão do Café de Santa Cruz da Graciosa, para na noite seguinte estar naquela suculento jantar confeccionado pelo guarda fiscal, e que havia de terminar num piano dolorido com umas notas difíceis ... que os dedos já não ajudavam. A mesma Santa Cruz a que haveria de voltar para ver o Padre Simões Borges quase esquecer um casamento porque havia umas cordas de viola da terra para fazer vibrar e viver. em directo para o mundo língua portuguesa

Tive a dita de poder conviver com um velho marinheiro (que nunca pilotou nenhum barco mas velou por bastantes) João Quaresma da Madalena do Pico. Honro-me das conversas com Ermelindo Ávila, da navegação com Mestre Augusto - naquela lancha carregada de jornalistas a caminho do Corvo - dos encontros com José Azevedo (o Peter). Orgulho-me de ter privado com esse maestro da gastronomia e da arte de bem receber e de bem passear (tão maltratado pela vida, pelas promessas dos políticos e pela agiotagem bancária) o Garcia do "Snack Bar Pico". Não esqueço aquele mestre do "Terra Alta" que me guiou na minha primeira navegação no Canal de Nemésio e me ensinou o que era um "boca aberta".

E recordo cores, cheiros, sons e sabores... Como pode um homem deixar esvair a memória de um pôr do sol na Fajã Grande das Flores, uma descida à Caldeira da Graciosa, uma lagoa de São Miguel, o negro e o suor dos currais do Pico, a Praia Formosa de Santa Maria, o verde intenso São Jorge, as vistas do Porto da Horta, as ruas de Angra ou os horizontes da Serra dos Cumes? Como pode um homem esquecer a intensidade daquele serão corvino onde a "Saudade" cantada e dançada era catarse, angústia e alegria a um tempo só. Que saudades… Dr. Cardigos.

Por tudo isto, mas sobretudo pelo que não cabe aqui (ou que eu não quererei desvendar em público - afinal sou um tímido e os Açores são a melhor terra para namorar e acariciar) tinha de ser feito este regresso ao arquipélago.

Ainda não sei como é que vou conseguir os financiamentos, mas garanto que daqui a uns dois anos o Passeio de Jornalistas vai estar de novo nas Ilhas de Bruma. Podem estar certos disso!

Até lá!

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