05 março, 2006

PASSEIO DE JORNALISTAS no Norte Alentejano - Bonecos de Viagem...

Matança do Porco no Monte da Figueira de Cima, Arronches.


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Fotos: Antunes Amor (Direitos reservados)

4 comentários:

teresa disse...

lindos, esses bonecos. Avivaram-me a memória de épocas passadas e fizeram-me reviver a infância.
Parabéns
teresa

Alex disse...

Uma pequena grande história;

Foi numa manhã fria de Dezembro que assisti à minha primeira tradicional matança do porco em casa de meus avós.
Muito cedo chegaram as pessoas que iriam ajudar nas tarefas, que pelo que me disseram, seriam muitas.
Entraram e comeram figos, pão e azeitonas que acompanharam com um copo de aguardente para se aquecerem um pouco (como se não bastasse a enorme fogueira de lenha de carrasco que a minha avó já tinha acendido).
Depois saíram, foram buscar o porco “chiqueiro”e encaminharam-no para a porta da curralada onde já estava um agrade e alguns feixes de palha.
Nesse momento, chegou a Ti Maria com uma bacia, um pouco de pão e vinagre espalhados no fundo. Explicaram-me que o tacho serviria para aparar o sangue e o pão e o vinagre para impedirem que o sangue talhasse (coagulasse). Agarraram o porco e colocaram-no sobre o agrade. O Rogério, que tinha chegado com uma enorme faca debaixo do braço, pôs em prática toda a sua habilidade e, de uma vez só, espetou a sua enorme faca no pescoço do porco provocando uma diminuição na força com que o infeliz se debatia e um grande arrepio em mim. A Ti Maria aparava o sangue na bacia dando-lhe volta com um ritmo compassado à medida que ia acrescentando alguma água.
Quando o porco parou de se debater, pegaram fogo à palha de centeio. Com calma, foram chamuscando o pelo do porco e depois a sua pele, esfregando-a com sabão e com cortiça e raspando-a com facas. Aqueceram as unhas e arrancaram-nas. Depois de bem lavado, viraram-no de barriga para cima e começaram a abri-lo.
A minha tia Ana chegou para levar as asinhas do coração ("senão o fumeiro voava"), as pontas das costelas, o fígado e barbada que iria estufar.
Depois de retiradas as tripas a Ti Maria tirou-lhes alguma gordura, enquanto estavam quentes, que seriam fervidas numa panela (rojões).
Os homens penduraram o porco usando uma estaca com uma gancha, que fizeram passar pelo cu ( não sou capaz de escrever isso de outra maneira) do porco e se prendia no queixo do mesmo. A estaca foi encostada a uma esquina, ficando o porco ao alto uma vez que não havia uma trave para o pendurar. Depois entravaram e comeram o estufado de carne e o sangue cozido (cortado em cubos com alho, azeite, vinagre e pimento doce), enquanto se preparava o almoço.
O almoço consistiu num prato de arroz de couve branca, acompanhado com salpicão do ano anterior feito com a tripa do “cu” e ovo cortados às rodelas, ambos colocados por cima do arroz. Sopas feitas com pão migado e amolecidas com o caldo dos potes de ferro que fervem na lareira. Regadas com azeite a ferver que fazia um som característico ao cair sobre o pão já húmido (sopas do chize), com sangue cozido esfarelado por cima.
Depois do almoço era a hora de lavar as tripas. Utilizavam uma verga de olmo para virar a tripa (pau de virar tripas) permitindo a lavagem do interior. A água estava muito fria e o cheiro também não era nada agradável.
Aproveitei o tempo e perguntei-lhes quais seriam as fases seguintes na conservação da carne do porco. As alheiras só se faziam depois de desmanchar (desfazer) o porco (normalmente no dia seguinte). Também eram separadas as carnes (para salpicões, bochas, linguiças e bulhos). A maior parte da carne seria conservada em maceiras com sal.
Perguntei também qual seria o processo para fazer os salpicões que eu tanto gostáva de comer na casa da minha avó. Primeiro preparava-se um alguidar com suça (água, sal, alho, louro, casca de laranja, um copo de vinho (ou mais)). As carnes ficavam na suça um dia ou dois. No acto de encher as tripas juntava-se algum pimento às carnes.
Cheguei à conclusão de que o dia da matança do porco era um dia cheio de trabalho, mas também um dia cheio de alegria e alguma festa. Percebi que todas as fases se desenvolviam com calma como num ritual. Percebi também que o porco, nas diferentes formas em que é conservado, ocupa um lugar muito importante na alimentação ao longo de todo o ano.








Curiosidades da Matança do Porco:
- As mulheres e as crianças não deviam assistir à matança. As expressões de "coitadinho" influenciavam o matador. Também se pensava que o porco "encolhia o sangue".
- As mulheres com a menstruação não mexiam na carne, apenas podiam ajudar a fazer o almoço.
- No dia da matança eram distribuídos pelas casas dos vizinhos pratos com algumas variedades de carnes para que todos provassem da matança.
- Os pés e as orelhas eram comidos no Carnaval (com arroz de espigos de couve).
- Com a gordura (unto) que envolve os intestino, depois de pisada com um maço de madeira juntando sal e colorau, fazia-se uma bola que envolta por uma membrana retirada da mesma gordura, servia para barrar o pão (quando ainda não havia manteiga).
Alguns ditos populares:
- "Das carnes, o carneiro, das aves, a perdiz e sobretudo a codorniz, mas se o porco voara não havia carne que lhe chegara";
- "Quem tem porcos tem chouriços e presuntos";
- "Rico como um porco";
- "Queres conhecer o teu corpo? abre ou desmancha o teu porco";
- "Homem e porco só dão lucro depois de mortos";
- "Lavar o focinho a porcos, as orelhas a burros, pregar a padres e converter
judeus, é tempo perdido";
- "Leitão de mês, cabrito de três, mulher de dezoito, homem de vinte e três",...),


Retirado do:
EXPRESSO
LEITOR DE OPINIÃO

“… O exemplo mais patético deste binómio político Estado virtual / Estado monstro é a inflação legislativa. Segundo disse Morais Cabral neste jornal (edição de 8 de Fevereiro de 2003), na década de 90 produziram-se mais de 5000 leis, «o que corresponde a uma média de 500 diplomas por ano». Ninguém dirá, por este andar, que o legislador está a dormir mas aquilo em que ele incorre é na síndrome da perfeição negativa: a inflação legislativa existe e multiplica-se na razão directa da sua implicabilidade prática. Um exemplo do dito Portugal profundo: existe uma lei recente que obriga a que a matança do porco seja feita nos matadouros; como, em geral, só há matadouros nas capitais de distrito, só o preço do transporte inviabiliza essa deslocação. Resultado: a lei não é cumprida.
E aqui estamos nós a olhar para este espectáculo trágico-cómico sem sabermos bem se deveremos emigrar e escolher outra nacionalidade ou se votamos todos em branco nas próximas eleições…”
Jacinto Palma Dias
Agricultor
14:10 18 Maio 2004

E AINDA:
PORTAL DO CONSUMIDOR CONSCIENTE
Revista Ano 2001 - Revista 108

crónica de um consumidor consciente
Consumidores de tradições violentas
João Cidreiro Lopes*

Ao longo dos séculos os povos têm lutado por melhorar a sua qualidade de vida. À medida que a civilização progride vão sendo abolidas práticas violentas que deixaram de ter sentido, substituídas por alternativas menos cruéis. Custa pois aceitar que ainda haja ¿consumidores de tradições bárbaras¿ que, embora desejando usufruir de todos os benefícios que o progresso lhes possa trazer, fingem ignorar a evolução dos tempos e, argumentando manter uma tradição, continuam a festejar a morte em sangrentos espectáculos.

Isto para terminar, que a noite vai ficando curta… Eu NÃO SOU UM CONSUMIDOR CONSCIENTE, aprendi cedo as coisas boas da vida!

Continuem! Parabéns!
Até um dia destes…

Unknown disse...

Apenas algumas achegas e uma precisão:

1) A Lei sofreu algumas alterações por forma a adequá-la à realidade humana e social portuguesa, visando defender não apenas aspectos de património cultural (que por si só já seriam importantes) mas também princípios de economia local e de desenvolvimento de regiões cada vez mais ameaçadas de desertificação, Nomeadamente em relação às questões da certificação da nossa salsicharia artesanal.
2) A "matança de porco" em Arronches respeitou as regras em vigôr mesmo que - com pena nossa - tivesse tido de sacrificar alguns pormenores tradicionais destas funções.
3) Durante todo o tempo em que ela decorreu, foi acompanhada no local por uma médica veterinária que supervisionou procedimentos e emitiu parecer acerca do estado e qualidade da carne a consumir.
4) Nem poderia ser de outro modo... face às entidades envolvidas e demais participantes no acto!

Oceanus Terrae disse...

Tem razão Alez... é uma pequena grande história.
E comece a colocá-las no seu blogue... ou ainda as roubamos...
Obrigada. Gostámos muto. Contamos consigo mais vezes no balcão do café. Se vier com tempo, até se pode sentar à mesa.