09 dezembro, 2006

Outras escórias

PASSEIO DE JORNALISTAS no Fundão

Foi esta paisagem que os verdianos tiveram nos olhos quando, nos anos de 50/60, lhes foi dada a Panasqueira como nova S. Tomé: a roça era então de calhau, de volfrâmio. Tão áspera como a equatorial. Tão dolorosa como o café. Lá em baixo, o rio grande (mais pequeno que o mar) cirandava nos cortes feitos pela erosão dos séculos: é o Zêzere a chamar a memória de glaciares antigos.


Vieram a contrato, mão de obra barata, mais barata que a dos beirões mineiros que teciam revoltas onde andavam estórias dos bandos do Caca e do João Brandão que também por aqui espreitaram. Fugiam da fome sem milho, sem xerém, sem bongolom. E atalhavam assim, a contragosto, o clamor mineiro por melhor salário. Deste modo juntavam a diferença da cor da pele à raiva que resultava dos cadernos reivindicativos que os senhores do minério rasgavam.


Foram mirados de soslaio os cabo-verdianos importados da sua fome insular. Foram hostilizados pelos mineiros brancos. E entre as rochas esmifradas por ganha-pão correu o salitre do racismo. Até que os “negros”, os crioulos partiram. Desgastados. Desgostados.


PASSEIO DE JORNALISTAS no Fundão A PIDE e a Guarda rondavam entre os verdes, espreitando as casas. Os verdianos foram-se embrora. Ficaram as greves de 60 e de 70. Ficaram as memórias que ninguém registou ainda numa placa para mostrar aos de hoje que a Panasqueira não é só paisagem surpreendente, que enche a alma: é lágrimas de gente, lágrimas que também escorreram até ao rio, arrastando consigo suor e misérias.


Tudo isto aconteceu nestas encostas por onde Aquilino e Namora recolheram páginas de livros. São outras escórias que o tempo não pode limpar. É preciso recordá-las.

Diário de Bordo do PASSEIO DE JORNALISTAS NO FUNDÃO

1 comentário:

tb disse...

Vale a pena ler e visitar...