31 março, 2008

Do Faial às Velas: uma carta de há 10 anos...

boomp3.com

Saudade - Música tradicional dos Açores

Interpretação: Grupo de Violas da Ilha Terceira - In Arquivos sonoros de Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira, Universidade do Minho.


Velas, 15 de Maio de 1997

É já em Velas de São Jorge que te escrevo esta carta. Desta vez não fui ao Pico, passei-o, de longe, divisando-lhe as casas numa manhã de brumas, tentando adivinhar o cume da ilha por entre um colar de nuvens que ora encobria ora deixava a descoberto aquela ponta de seio que brotou da última erupção.

Eram umas nove da manhã quando, com o meu séquito de maletas, desemboquei no cais da Horta. Àquela hora pleno de movimento, com o Cruzeiro do Canal
a arribar, cheio, da Madalena do Pico.

O
Lusitânia
fez-se ao mar com cinco minutos de atraso em relação às previstas nove e meia. Como que para se despedir do Faial e nos deixar na mente uma visão panorâmica da Horta... uma rotação de quase 180 graus até apontar à saída do porto.

A cidade, primeiro, a ilha toda, depois, vai-se convertendo em visão cada vez mais distanciada que contemplo à popa.

Galgadas algumas ondas, para trás fica a marina. E, no anfiteatro que é aquela encosta da ilha, as igrejas (casamento, a um tempo imponente e agressivo, do branco da cal e do negro da pedra de lava) pontuam o horizonte.

Passado o Monte da Espalamaca e a praia do Almoxarife, bem na ponta, o farol da Ribeirinha...

No outro lado, quase ia a dizer... na outra margem do mar, avisto já a Madalena.
E durante uma meia hora navegamos à vista do Pico. Quase até defronte de São Roque.

A força das ondas, o cheiro do gasóleo e os balouços do
Lusitânia
vão fazendo alguns estragos entre a vintena de passageiros. Borda fora...

Apesar da chuva miudinha, dois holandeses não abandonam a popa e a contemplação do mar. Vão também para São Jorge. Um deles surpreende-me com um português de toque brasileiro. Acha que o mar está mau. E eu falo-lhe de como o vi, há uns sete anos, numa maré de Agosto que fez voar telhados e árvores no Faial.

Navegamos no Canal de que falava Nemésio. E começamos a apontar para São Jorge - mais meia hora e estamos em Velas.

Já em cima do cais, tempo apenas para ir ao hotel deixar as malas e ala para as Manadas, que o Espírito Santo está aí, no seu misto de devoção, festa e partilha. Meia ilha acorreu à
Função
. As mesas estenderam-se pelo caminho que ladeia a igreja, até ao Império.

Com o apetite que o mar me abriu, atiro-me às sopas e à carne. Ao meu lado, alguém se queixa que viemos tarde e já se não vislumbra o fígado. E, sempre com o mar à vista, escorrem o vinho e as conversas.

Para ti vão estas linhas que escrevo aqui na
Biblioteca de Velas. Lembrando ausências e desejos, mas querendo compartilhar também gozos e deslumbramentos. Se estivesses aqui, amanhã levava-te a outra Função
nas Fajãs. Assim, tens de te ficar pela imaginação e pelo relato.

Eu fico à espera que a noite venha... para adivinhar a ilha defronte no pontuado das luzinhas que - dizem-me aqui - servem para que os ilhéus se não sintam sozinhos: vendo as luzes da ilha à frente, no caso o Pico, parecem mais acompanhados neste meio de Atlântico.

Domingo, já sabes: entre as 11 e as 13 (horas de Lisboa) vai ser a emissão do
Feira Franca em
Velas. Como eu gostava que ouvisses...

Adeus. Recebe as minhas saudades.
Eu aguardo os teus recados.


Já lá vão quase 10 anos... no Maio do Espírito Santo...
Uma carta para longe que foi também anúncio da emissão do
Feira Franca em directo de Velas.
Como o tempo passa... e deixa as suas marcas!
Roteiro de Viagem da Aventura Açores

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