
É de louvar em primeiro lugar o mérito do esforço da comunidade do Fundão, para reabilitar algumas Aldeias do seu concelho por forma a integrá-las num Roteiro de carácter patrimonial e de valorização do território construído portugês.

Merecem, por certo, juntamente com a qualidade indiscutível dos seus produtos e da genuína beleza dos seus lugares, destaque e visita.
Mas genuína merecia ser também a reabilitação do seu património habitacional e a revitalização do suporte económico fundamental, que julgo ser ainda a produção agrícola.

Somos conquistados pela beleza doce do imaginário que sobre nós actua ao percorrermos estes lugares.
As nossas muitas carências afectivas, provocadas pela vida urbana, encontram aqui uma pretensa salvação: este reencontro com a
Mãe Natureza de que andamos apartados há muito... Mas, e há sempre um mas, não passam de sentimentos passageiros, rápidamente dissipados quando nos deparamos com a nossa incapacidade de renunciar a alguns vícios urbanos adquiridos há já algumas gerações.

Quem poderá dar vida real a estes lugares são os seus
filhos aqueles que nela encontram raízes de identidade. É com esses que a verdadeira reabilitação terá sucesso e para esses se deverá criar riqueza - para que não partam e (os que já partiram) retornem, não só na velhice...!!! - e incentivos para um repovoamento com
a prata da casa.

O turismo é sem duvida uma fonte de rendimento. Mas não deverá ser a única, porque tem um caracter sazonal e esporádico - funcionando muito por
modas... e a sobrevivência das comunidades não pode depender delas.

Quando se fala de recuperação do património habitacional doméstico, o assunto torna-se mais complexo por interferir directamente com um
mundo privado do indivíduo e com a sua estrutura social e familiar mais íntima.
A
casa, tal como as coisas, não existe por si, existe para servir o homens e é por este criada: um objectos inanimado que só ganha vida pela acção de quem a utiliza, a habita e diariamente lhe imprime alma e transformação.

Colocar nestas recuperações a pedra de Xisto (matéria prima utilizada no sistema construtivo cultural) à vista - quando outrora os seus construtores se empenharam em recobri-la com argamassas pintadas de branco, com um sentido estético de mais valia (só não o fazia aquele que, por menos posses, para isso não tinha capacidade econômica) - náo nos levará ao engano acerca da imagem do passado destas aldeias??? Será licito retirarmos os rebocos, as pinturas e os revestimentos das nossas casas de alvenaria de tijolo estruturadas pelos pórticos de betão?

Na realidade, não parece pretender-se repor a verdadeira imagem mas actuar de uma forma comercial , na tentativa de
criação da uma marca facilmente reconhecível e identificadora de um produto que se quer vendável, Mas apenas com dois ou três quartos... não será esta uma actuação fora de escala?
Ora, parece-me de certa forma perverso este pretexto para retirar actuações genuínas dos seu moradores actuais, criticáveis por certo, mas sem dúvida verdadeiras e capazes de fazer reconhecer a realidade deste presente - que um dia será passado - que tem tanto direito de fazer parte da nossa história como o de qualquer outra geração.
Texto: Fátima Veiga (Arquitecta)
Fotos: Antunes Amor (direitos reservados) Clique sobre elas para ampliar
Leia a
resposta do antropólogo Luís Filipe Maçarico