09 novembro, 2006

A Propósito da "Vergonha do Património"

Reflectindo sobre um texto da arquitecta Fátima Veiga aqui no Café Portugal, a propósito da retirada das argamassas que revestiam casas de xisto em Janeiro de Cima (ver), escreve Luís Filipe Maçarico na Albraba:


Aldraba em porta de Alpedrinha

Em 1979 cheguei pela primeira vez a uma vila da Beira Baixa e na altura chocou-me ver a beleza do granito rebocada, asfixiada... porque, diziam as pessoas, a pedra à mostra lembrava tempos de dificuldades e havia que mostrar que esse passado estava longe.
Sem querer impôr o meu gosto estético, entrevistei para o boletim da terra, os jovens da minha idade, filhos dos proprietários, que curiosamente responderam que gostavam de ver a pedra à mostra nas casas dos seus antepassados.
Durou anos este movimento, que veio de dentro da Comunidade. Hoje é possível observar muitas mais casa com o granito à mostra.
Em Montemor-o-Novo, no "casco" velho da cidade, há centenas de aldrabas (vidé revista Almansor nº 4, 2ª série, 2005) que as pessoas não querem substituir por campaínhas, porque o quotidiano é vivido à escala humana, e o toque da velha aldraba sendo familiar, não falha como a electricidade, nem tem um barulho irritante...
Em Miranda do Douro os pica-puortas existem ainda em freguesias do concelho, mas na cidade, são raros os exemplares, porque, segundo me contaram, os habitantes conotaram esses materiais e as portas de madeira com uma época de miséria e agora ostentam-se alumínios diversos, enquanto das portas foram varridos aqueles sinais de criatividade dos mestres ferreiros e de um património identitário do qual afinal as pessoas parecem ter vergonha.
É minha convicção que só se pode amar o que se conhece.
O valor simbólico e a história dos utensílios, têm de ser aprendidos na escola, na pedagogia dos livros, e através de acções de sensibilização junto das populações. Com a intervenção de professores, alunos e associativistas.
Em tempos de aculturação=globalização, uma antiga forma emblemática de construir, caída em desuso e ultrapassada por novos materiais e maneiras diferentes de saber fazer, trazidas de fora, dos países de emigração, começam a ser por vezes defendidas por técnicos de arquitectura e engenharia, e até do IPPAR, que era suposto envidarem todos os esforços (com inteligência e sensibilidade) no sentido da preservação de materiais tradicionais.
O Palácio do Picadeiro em Alpedrinha, em Setembro, recuperado ao fim de décadas de ruína, apresentava um puxador de gabinete de escritório nas portas. Protestei junto do vereador da Cultura do Fundão, a quem entretanto mostrei a exposição de aldrabas, batentes e cataventos que a Associação "Aldraba" teve na Festa dos Chocalhos.
O dr. Paulo Fernandes prometeu rever a opção de quem reconstruiu, no que concerne aos feios puxadores, pouco dignos de um monumento daqueles...
Ao longo de um ano e meio a nossa associação tem chamado a atenção para a história das aldrabas, espelhos de fechadura e batentes. As resistências são imensas e não só em resultado da ignorância.
Em vez de um trabalho de valorização, sem imposições, é claro, pactua-se muitas vezes com o mau gosto, nuns casos. Noutros, em nomes de parques naturais ou centros históricos obriga-se a cargas burocráticas de lana caprina que impedem qualquer alteração.
Infelizmente, este é o país real. Há que insistir na divulgação daquilo que nos parece belo e beneficiador de um sítio, para que as pessoas adiram e mudem. Mas atenção: não se muda quando não se percebe o porquê. As pessoas naturalmente reagem mal a tudo o que lhes cheire a imposição.
Espero ter de algum modo respondido à sua questão, mas prometo aprofundar o debate com os meus colegas da direcção da Aldraba.
E porque não fazermos um dia destes um debate conjunto e ouvir mais pessoas, entendidas nesta matéria, o prof. dr.Joaquim Pais de Brito, director do Museu de Etnologia, por exemplo, o professor dr. Pedro Prista, responsável pelo projecto do Museu de Querença,etc.

Abraço

Luís Filipe Maçarico

Fotografia: Aldraba em porta de Alpedrinha

Sem comentários: