O comboio em marcha atrás | Ir para o princípio |
Lembram-se de quando o Porto era uma cidade
energeticamente dependente da electricidade?
De quando os fogões e os aquecimentos eram
quase exclusivamente eléctricos?
Tinha sido descoberto o valor energético dos rios alcantilados do Minho e Douro, construía-se barragens, com um conjunto no longínquo troço internacional. Era estranho, pois então, que sendo o norte uma das regiões com mais hidroeléctricas se pagasse por lá o mesmo que onerava o resto do país. Pois é, o regime respondeu às rosnadelas, e estipulou a benesse das tarifas altamente favoráveis.
Mas lá continuaram, no Douro e Trás-os-Montes profundos sem água (ou redes limitadas) durante muitas e boas décadas, apesar dos lagos formados com as sucessivas barragens no Douro (e não só). Chegava-se a Vila Real, nesses idos, pelas emblemáticas curvinhas do Marão, e logo depois começava o pesadelo das voltinhas de Murça. E sabia-se que para alcançar Quintanela muito pó havia para engolir e paciência a tecer.
Havia o comboio, igualmente lento, implantado em alcantis, à custa do sonho de progresso do começo do século XX. Era um símbolo máximo da comunicação, não só do transporte, quando já os telégrafos debitavam informação. Mas foi ficando assim, enquanto crescia o pesadelo rodoviário, alimentado por interesses económicos insuperáveis.
A ferrovia de há um século foi ficando pelo caminho, mesmo quando os recursos técnicos permitiam reconfigurá-la para as necessidades de novos tempos. Não, foi-se extinguindo, linha a linha, com a argumentação da pobreza do país, e da falta de recursos. Para não falar na rede hospitalar, seriamente ameaçada; nas escolas que se afastam dos lares com crianças; dos serviços públicos de transportes que desincentivam qualquer deslocação, a não ser por meios próprios – o automóvel, claro! Até os matadouros, senhores, foram envolvidos por procedimentos economicistas e sanitários que espartilham ou sufocam tradições, saberes e sabores.
O pouco que resta da ferrovia ficou nas fronteiras da modernidade, e que é o Interregional que chega à Régua e o trecho da linha do Tua. Só que a tendência parece ser para a extinção. E quando surgem forças interessadas em reanimar o passado na forma de comboios históricos e recuperação de vias turísticas, a resposta não passa do velho encolher de ombros: já têm auto-estradas, para que querem eles regressar ao passado? Por quê gastar o dinheiro no antiquário? Ou, se querem, paguem eles.
A lógica é essa. Por mero acaso, o presidente da CP viaja no comboio turístico onde uma equipa de televisão aborda a temática do transporte ferroviário. Amável, o responsável vem à conversa com os jornalistas deste passeio, e explica os limites de qualquer manutenção, quanto mais expansão. As empresas do sector cumprem naturalmente as estratégias desenhadas em S. Bento, nas suas versões: residência oficial e Assembleia da República, incluindo os que foram eleitos por esta região, para defenderem os seus interesses. Ou seja, é possível fazer o que não represente encargos para as empresas – como quem diz, meus senhores governem-se, sobrevivam, entendam-se.
Fotos: Antunes Amor (direitos reservados) Clique sobre elas para ampliar | |
1 comentário:
Daqui a quantos anos teremos que voltar a andar de comboio, não em grande velocidade mas em pequena, numa velocidade económica, numa velocidade em que o consumo esteja optimizado. Teremos que escolher entre pagar mais, ou levar mais tempo. Até quando esta fúria do movimento. Hoje aqui amanhã na China. Todas aquelas linhas votadas ao abandono, servem. Só não servem num País de tolos. Luta contra o CO2? Negócio, puro e duro.
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